quarta-feira, 22 de julho de 2009

O tradutor de japonês


Tocou um tremendo rebuliço na secretaria de governo da pacata Atrofiadinha da Beira Mar, cidadezinha fora do mapa e fora das estatísticas do IBGE. É que o executivo municipal recebera uma carta, ao que parece, do governo japonês escrita no idioma lá deles.
O único que sabia uma outra língua - e não era a japonesa - na pequena cidade era o doutor Carmininho de seu Nunuca, mas era da oposição, e nem era doutor, era só bacharel em direito, mas como estudara numa faculdade que funcionava aos sábados, não conseguia, mesmo depois de formado há cerca de dez anos, tirar a carteira da ordem dos advogados.
Corre daqui, corre dali, chegou aos ouvidos do prefeito pela copeira do gabinete, uma das poucas pessoas que realmente trabalhava, que um distinto cavalheiro, recém chegado na cidade, morara três anos no Japão. Rapidamente, um carro oficial foi mandado à casa do tal senhor e o trouxe à presença do prefeito. O senhor Koxixo Nakama pegou a carta, olhou de baixo pra cima, de cima pra baixo e fez, segundo ele, a tradução instantânea: “O embaixador japonês no Brasil está solicitando que o senhor retire a bandeira do país dele, que está na entrada da cidade. Diz ele que a bandeira está sem iluminação e, pior, ao lado da bandeira da Coréia do Norte, país beligerante com o qual o Japão não mantém relações diplomáticas, embora estejam muito próximos geograficamente e banhados pelo mesmo mar”.
O seu Koxixo, nem é preciso dizer, foi aplaudido de pé e de lambuja assumiu o lugar do agora exonerado secretário de turismo, o responsável pela lambança, que voltou para o emprego anterior, o de guia turístico na cidade vizinha.
Mas desde quando Atrofiadinha da Beira Mar, lugarejo recém emancipado, que só recebe turistas argentinos, que a visitam pensando estarem noutra cidade, poderia chamar a atenção do consulado japonês? Com esse pensamento, e de posse da tal carta, o ex-secretário rumou para a capital disposto a desmascarar o senhor Koxixo. Não deu outra. Nem o cônsul nipônico conseguiu ler a tal carta, simplesmente porque se tratava de uma receita de bolo escrita não em japonês, mas no idioma coreano.
Fulo da vida, e cheio de razão, lógico, o ex-secretário pediu uma audiência com o prefeito, mas fazia questão que estivessem presentes os mais insignes representantes da sociedade atrofiadense beira marinha – assim se denominavam os nascidos naquele lugar – pois possuía uma revelação muito importante. O prefeito o atendeu prontamente, pois a pequena cidade tinha como cultura o fazer fofoca.
Dia e hora marcados, o ex-secretário, vários membros da “alta”sociedade e vários do povo estavam reunidos numa espécie de audiência pública num dos colégios da cidade. De posse da palavra, ele disse estar ali para desmascarar o impostor que usurpara o seu lugar. E para tal, trouxera diretamente do consulado do Japão um manuscrito no idioma japonês, que deveria ser traduzido pelo atual secretário de turismo. Diante de todos, o ex-secretário pediu ao senhor Nakama que fizesse a tradução do “livrinho”.
O tal “livrinho” era um manual, com cerca de 20 páginas, de um novo modelo de tevê digital, coisa que ainda demoraria muitos anos para chegar a Atrofiada. A cartilha explicava a diferença entre as duas tevês, a digital e a analógica, e trazia algumas figuras exemplificativas, como um casal se beijando, nada demais.
O falso tradutor olhou o manual, revirou algumas páginas, voltou-se para o ex-secretário e saiu-se com essa: “O senhor devia ter mais respeito por todos aqui presentes, principalmente pelas senhoras e pelas donzelas”. Depois se dirigiu para o público afoito por um grande desenlace. “Meus amigos, o ex-secretário, respeitadas as suas limitações culturais, que todos nós temos plena e convicta ciência, deveria saber que isso aqui se trata, na verdade, de uma tradução para o japonês do Kamasutra, manual indiano de como fazer... her...com licença da palavra: sa-li-ên-cia. Vejam essas imagens”.

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